Davi Bomtempo, CNI: 'O Brasil tem condições de ser uma potência em economia circular pela abundância de recursos naturais'
Gestão dos resíduos é um dos caminhos da economia circular, que é um dos quatro pilares da indústria para transição para economia de baixo carbono.
Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI. (Foto: Divulgação)
Os resíduos sólidos são responsáveis por parcela significativa da emissão de gases de efeito estufa (GEE). Dados da ONU indicam que a cada ano cerca de 11,2 bilhões de toneladas de resíduos sólidos são coletados globalmente e aproximadamente 931 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçadas a cada ano.
No entanto, em alguns setores da indústria já é possível diminuir ou até mesmo zerar a quantidade de resíduos que resultam dos processos produtivos, reaproveitando-os como insumo e evitando o acúmulo de lixo e a emissão de GEE.
Entre os setores de destaque, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) cita os de papel e celulose, o sucroenergético e o da carne.
“São setores que estão avançados na questão do reaproveitamento e preocupados em utilizar seus insumos ao máximo, evitando o descarte e a emissão de carbono”, resume gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo.
Bomtempo ressalta que a gestão dos resíduos é um dos caminhos da economia circular, que é um dos quatro pilares da indústria para transição para economia de baixo carbono, ao lado da conservação florestal, transição energética e mercado de carbono.
“Buscar iniciativas para o lixo zero além de estimular a competitividade da indústria, reduz a poluição, mitiga a crise climática, contribui para a conservação da biodiversidade, traz benefícios para segurança alimentar e para a saúde humana”, pontua.
Ele acrescenta que pesquisa realizada pela CNI com executivos de 1.004 empresas industriais de diferentes portes mostrou que 91% disseram adotar medidas para reduzir a geração de resíduos sólidos na produção.
“Há interesse em aprimorar os processos, mas ainda é preciso políticas públicas e um sistema de governança que impulsione essa busca. O Brasil tem condições de ser uma potência em economia circular, pela abundância de recursos naturais, biodiversidade e amplo mercado consumidor”, diz.
Vale ressaltar que uma sólida gestão de resíduos é pré-requisito para o ingresso do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil possui sua Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), com vários de seus instrumentos em processo de regulamentação.
Muitos desses instrumentos previstos na PNRS encontram-se atualmente em fase inicial de implantação. A legislação, em vigor desde 2010, obriga setores industriais a desenvolverem a logística reversa de resíduos pós-consumo, como para as embalagens em geral. Conheça três setores industriais que conseguem esse feito:
Reciclagem animal e sustentabilidade
O setor de reciclagem animal é um dos principais cases do país. Cerca de 99% dos resíduos produzidos pela cadeia da carne é coletada e é o único que processa 100% de tudo o que recolhe.
De acordo com a Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra), todo ciclo de produção é pensado em sustentabilidade, pela logística reserva, evitando que estes resíduos do abate animal poluam o solo, o ar e a água.
A associação explica que a pecuária brasileira abate mais de 41 milhões de toneladas de bovinos, aves, suínos e pescados por ano. Deste total, uma parte significativa não segue para a mesa dos consumidores.
Entre os mercados aos quais esses resíduos são destinados estão os de saboaria, higiene e limpeza, que são tradicionais e importantes para as gorduras, e na última década, o biodiesel também despontou como um grande mercado consumidor.
As farinhas de origem animal costumam ser direcionadas para a alimentação animal, de pets, por exemplo, onde são fontes preferenciais de sabor, proteínas, minerais e energia.
“Este ciclo de produção que desenvolvemos é o que chamamos de trabalhar para o desenvolvimento verde. Imagina que sem fazer o trabalho da reciclagem animal, o Brasil precisaria abrir mais 921 aterros sanitários. Ou seja, esse trabalho pelo meio ambiente evita o aumento de aproximadamente 30% nos aterros sanitários, contribuindo com o Plano Nacional de Resíduos Sólidos. É a contribuição efetiva do setor para a saúde pública. Isso mostra que é possível fazer a sustentabilidade acontecer”, diz o presidente do Conselho Diretivo da ABRA, Pedro Bittar.
O papel e celulose e sua cadeia de reaproveitamento
Outro exemplo vem da indústria de papel e celulose. Uma das principais iniciativas é o reaproveitamento de resíduos para geração de energia por meio da reutilização do subproduto do processo fabril, chamado licor negro.
Nesse processo, 88% da energia produzida pelo setor vem de fontes renováveis, como licor negro e biomassa. De acordo com a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), o setor é responsável pela produção de 74,6% de toda energia elétrica que consome.
A Ibá também ressalta que o setor de papel nacional é um dos maiores recicladores do mundo. As empresas têm investido em programas, parceria com catadores e até mesmo na tecnologia blockchain para reduzir os resíduos. Com isso, em 2021 foram 5,02 milhões de toneladas de aparas coletadas, chegando a um índice de reciclagem de 66,7%, de acordo com dado do IBRE/FGV.
Economia e eficiência do setor sucroenergético (açúcar e álcool)
O setor é reconhecido pelo êxito em iniciativas de gestão de resíduos. Um case de sucesso é o da Copersucar, que usou a metodologia Lean – que consiste em deixar operações de uma empresa mais enxutas, com foco em diminuir desperdícios - para trabalhar o reaproveitamento de parte do material de varrição produzido no Terminal Açucareiro Copersucar (TAC), localizado em Santos.
De acordo com a empresa, o terminal retira uma média de 220 toneladas de resíduos orgânicos por ano, compostos em sua maioria por restos de produtos (como açúcar, soja ou milho), água e outros componentes e materiais (impurezas). Até então, a compostagem deste resíduo, que tinha como produto final o adubo, gerava um custo de mais de R$ 100 mil por ano.
O projeto, porém, focou na economia circular e recuperação energética, reciclando o material de varrição para produzir álcool de limpeza. Esse processo permitiu eliminar os custos de transporte e tratamento, agregando principalmente um ganho ambiental ainda maior, uma vez que o álcool produzido retorna como material para limpeza.
“Muitas vezes um projeto ambientalmente adequado não se viabiliza devido ao alto custo, e para que se sustente é importante olhar para soluções que contemplem tanto os aspectos ambientais quanto os financeiros”, completa Renata Junko, responsável pelo projeto.
Além da iniciativa, nas últimas quatro safras, a destinação de resíduos para os aterros caiu 84% devido à expansão do trabalho de reciclagem, reutilização e compostagem dos resíduos. Desde a safra 2018/2019, o volume de resíduo orgânico tratado cresceu 45%, totalizando, no último ciclo, mais de 951 toneladas.