Contratação de líderes negros nas empresas aumenta, mas ainda encontra desafios
Segundo estudo feito pela EXEC, cargos de nível gerencial tiveram aumento da demanda por profissionais autodeclarados pretos em 2023.
Segundo estudo feito pela EXEC, cargos de nível gerencial tiveram aumento da demanda por profissionais autodeclarados pretos em 2023. (Foto: Unsplash)
A agenda ESG (Environmental, Social and Governance, na sigla em inglês) é uma das principais impulsionadoras do avanço da pauta da Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) nas empresas. Apesar desse movimento ainda ser considerado algo “novo” – existe desde 2004, mas ganhou mais força nas discussões estratégicas com a pandemia – a tendência dessas companhias diversificarem seus quadros está cada vez mais evidente, principalmente quando se fala em raça e gênero.
No que diz respeito à diversidade de raça, a presença de profissionais pretos em cargos de liderança aumenta a passos calmos, porém firmes. Segundo um levantamento feito pela EXEC, empresa especializada em seleção e desenvolvimento de altos executivos e conselheiros, somente neste ano houve um aumento de 67% no volume de contratações de líderes autodeclarados pretos ou pardos de ambos os sexos se comparado ao ano passado. Para cargos de diretoria, o indicador subiu 17%.
Segundo a pesquisa da EXEC, entre os setores que mais absorveram esses profissionais estão o de bens de consumo, com maior destaque (33%), e varejo, energia, agronegócio e serviços financeiros com 17% cada. João Philipe Lins, Engagement Director da EXEC, conta que as empresas de grande porte estão investindo na ampliação do quadro de líderes tendo a orientação ESG como base dessa transformação.
“As companhias estão em busca de aumentar a presença de líderes pretos, seja em cargos gerenciais, de diretoria ou até mesmo em conselhos. Elas entenderam a contribuição que essa diversidade traz para a sua cultura organizacional e produtividade”.
João conta que, além das vagas cuja orientação sobre raça já vem definida, há também a demanda de incluir sempre candidatos pretos nos processos de seleção de líderes.
“Há um entendimento de que esses profissionais podem contribuir não somente com conhecimento técnico e vivência profissional, mas também para estimular o aumento da presença de outros profissionais pretos em cargos de comando”, explica.
Dentro e fora de casa
Aumentar a presença de profissionais pretos em cargos de liderança é algo que ainda deve levar muitas décadas, mesmo que mais de 50% dos profissionais brasileiros sejam pretos e pardos. Para que haja uma equidade no mercado de trabalho com profissionais brancos, segundo um levantamento feito pelo Instituto de Identidade Brasil (ID_BR), isso ainda vai levar 167 anos, acontecendo somente em 2.190.
Lins ressalta que ainda há vários desafios que precisam ser superados para aumentar a representatividade dos profissionais pretos em espaços de decisão na sociedade como um todo.
“Além de um escopo de contratação que releva alguns pontos – como a falta de domínio de um segundo idioma ou formação em faculdades de primeira linha – abrirem vagas afirmativas e apostarem em programas de estágio para jovens pretos, as companhias estão aproveitando a oportunidade também para capacitar internamente os profissionais pretos para ocuparem posições de liderança”.
A representatividade é algo que deve ser trabalhado nessas empresas, na visão de João Philipe. “É importante contratar profissionais pretos, mas também promover ações para desenvolvê-los dentro da empresa, para que eles se sintam parte da organização. Eles devem ser inseridos nas decisões, em projetos relevantes e empoderados para que esse sentimento seja disseminado e estimule outros profissionais pretos a seguirem o mesmo caminho”.
De acordo com um levantamento feito pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper, ter profissionais pretos em posições de gestão aumentam os investimentos e ampliam a inclusão. Para os pesquisadores, esses profissionais podem aumentar em 1,8% a participação de trabalhadores pretos na empresa, pois entendem os desafios enfrentados e valorizam as vivências, tendo um maior compromisso com a diversidade e inclusão.
Uma das principais barreiras para que os profissionais pretos se candidatem para posições de liderança é a ausência da representatividade de pessoas pretas ocupando essas posições.
Uma pesquisa feita pelo Santo Caos, em parceria com o LinkedIn, apontou que 55% dos profissionais pretos entrevistados deixaram de participar de processos seletivos por acharem que não seriam bem recebidos no ambiente. E 27% relataram que isso ocorreu mais de uma vez. E mais: 45% deles nunca ocuparam cargos de liderança. Estes indicadores são reflexos do racismo estrutural vivenciado pelos profissionais pretos em seu ambiente de trabalho.
Gigantes como Danone, Ambev, Unilever, Pfizer Brasil, Natura & Co, Mercado Livre, Sanofi, entre outras corporações, estão colocando em prática diversas ações para aumentar a representatividade preta em sua liderança.
Há alguns meses, outras corporações como Gerdau, iFood, Itaú Unibanco, LinkedIn, Magazine Luiza, Nubank e Vale criaram o movimento #CarreirasComFuturo, para disseminar iniciativas de diversidade e inclusão na força de trabalho brasileira, com foco no desenvolvimento de carreira e pertencimento de profissionais pretos em todos os níveis das organizações, incluindo a alta liderança.
Práticas como essas vêm de encontro à visão de 71% dos entrevistados da pesquisa do Santo Caos de que é necessário implementar mais ações para promover o desenvolvimento de carreira de profissionais autodeclarados pretos. Entre elas estão a revisão de critérios de contratação e promoção (32%), capacitação e treinamento de liderança (31%), recrutamento afirmativo (25%) e programas de mentoria (20%).
Para João Philipe, isso tudo é só o começo. “Estamos diante de uma longa estrada de transformações baseada na diversidade e inclusão. Acredito que essa representatividade de profissionais pretos na liderança deve aumentar nos próximos anos. Ainda tem muita coisa que iremos assistir”, conclui.