5 questões-chave para fundos, gestoras e family offices sobre ESG
De criação de grupos de diversidade à atenção ambiental sobre criptomoedas, mercado de investimentos tem evoluído na adoção de práticas sustentáveis.
Marcella Ungaretti, analista de research de ESG na XP Investimentos. (Foto: Divulgação)
Os fundos com foco no equilíbrio ambiental podem totalizar US$ 8 bilhões entre 2019 e 2021 no país. Do total, mais de US$ 4,6 bilhões foram gerados somente no primeiro trimestre deste ano, conforme levantamento de emissões públicas realizadas pela organização social de análise de perfomance socioambiental, Sitawi Finanças do Bem.
Mas, afinal, o que os fundos, gestoras e family offices têm observado mais recentemente acerca do ESG?
- Criptomoedas e meio ambiente
Desde que o empresário e CEO da Tesla Motors, Elon Musk, anunciou que não a aceitaria Bitcoins como forma de pagamento, a queda do valor da criptomoeda chamou a atenção do mercado mundial.
Uma das razões indicadas por Musk foi o fato de a moeda ser um ativo poluidor. Isso também motivou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a anunciar sanções à Bitcoin como uma maneira de fiscalizar o uso da moeda digital.
De acordo com dados da plataforma online Digiconomist - que criou o Bitcoin Energy Consumption Index, uma transação com a moeda digital consome o equivalente a 55.280 horas assistindo ao Youtube.
Em contrapartida dos princípios ESG, o dinheiro eletrônico, considerado um meio alternativo de descentralização da economia, chegou a ser o favorito de muitos investidores e ganhou seu auge em 2017, perdendo o holofote por alguns anos e voltando a se fortalecer nos últimos meses.
"Nesse ano, o Bitcoin já chegou a acumular uma alta de mais de 1.000% em doze meses, antes da queda abrupta desses últimos dias. Com isso, o valor de mercado do Bitcoin já chegou a ultrapassar US$1 trilhão, valor este maior do que todas as ações negociadas na B3”, indica Marcella Ungaretti, analista de research de ESG na XP Investimentos.
Segundo ela, o interesse nas criptomoedas continua. Porém, as preocupações ambientais têm tornado as gestoras financeiras mais céticas, o que acarreta no desempenho de descendência das últimas semanas.
Em relatório temático publicado pela XP, “estima-se que o consumo de energia representa aproximadamente 0,6% da produção global de eletricidade, ou o equivalente ao consumo anual total de energia do Paquistão”, tornando o Bitcoin mais poluente ao considerar o consumo de energia que pode ser comparado com o do carvão. Isso faz com que a pegada de carbono seja mínima quando comparada, por exemplo, a de fábricas.
Para Rodrigo Rodrigues e Carlos Eduardo Pereira Teixeira, sócios do escritório CMARTINS, o tema requer aprofundamento, especialmente quanto "ao consumo de energia dos computadores vinculados ao controle e geração das criptomoedas e ao descarte dos materiais eletrônicos e seus resíduos, o que demandaria uma reeducação por completo de toda sociedade, bem como regulamentação prevendo severas multas àqueles geradores de danos ambientais decorrente desse novo segmento".
No entanto, um dos problemas para operar investimentos com Bitcoin é a falta de estrutura de alguns países. A analista da XP Investimentos explica que, atualmente, um computador normal não consegue mais resolver os cálculos necessários da moeda, porque "exigem processadores mais sofisticados e que, consequentemente, consomem mais energia”.
Assim, quanto mais populares se tornam as transações com o dinheiro digital, mais estrutura tecnológica e energética serão necessárias, colocando em xeque a administração das criptomoedas em relação à preocupação das empresas com o desequilíbrio ambiental.
Carlos Eduardo Pereira Teixeira, sócio do escritório CMARTINS. (Foto: Divulgação)
- Reforma tributária verde
Além de governos e empresas, a preocupação com ESG atinge as Family Offices, empresas dedicadas a gerir o patrimônio e os investimentos de famílias de alta capacidade financeira.
"Na busca por melhores resultados e benefícios para as sociedades envolvidas nas Family Offices, esses pilares ESG são fundamentais para o afastamento dos impactos financeiros e tributários, e ressalvando que os conceitos de governança e compliance estão diretamente ligados, exige-se cada vez mais, dessas sociedades, o implemento de um compliance tributário rígido visando afastar qualquer responsabilização administrativa ou civil das pessoas jurídicas pelos atos praticados contra a administração pública”, detalharam os advogados do CMARTINS.
A tendência no futuro próximo é de idêntica prática fiscal que observamos em alguns países europeus, nos Estados Unidos e também no Canadá, visto que já se discute no Congresso Nacional uma proposta de “Reforma Tributária Verde” objetivando um crescimento econômico sustentável ao país, no entanto, vale citarmos a vigência das Leis de Incentivo ao Esporte e à Cultura que já representam um importante passo para ingresso das sociedades aos princípios do ESG.
Rodrigo Rodrigues, sócio do escritório CMARTINS. (Foto: Divulgação)
- ESG dentro de casa
Segundo a advogada Maria Beatriz Armelin Petroni, do escritório homônimo, as empresas também estão sendo pressionadas a realizar transformações organizacionais, sendo uma delas a remuneração variável e a bonificação de seus executivos a partir do alcance de metas ESG.
"No Brasil, grandes empresas já estão atrelando o pagamento de bônus ao atingimento de metas de sustentabilidade, relativas a questões ambientais, sociais e de governança. No exterior, essa tendência vai além. Como no Reino Unido, onde têm sido discutidas mudanças importantes nas regras de governança corporativa e a obrigatoriedade de devolução de valores pagos a título de bônus aos administradores, em caso de fraudes e práticas de não conformidades. Trata-se, portanto, de uma forma mais efetiva de atingir diretores desonestos”, exemplifica Maria Beatriz.
A advogada destaca que family offices e investidores pessoas físicas, preocupados com a temática do ESG, têm fortalecido a pressão sob a estratégia do negócio das empresas.
"Esses exercícios levam a uma melhora das premissas e práticas adotadas na governança corporativa das empresas, com a criação de políticas ambientais, comitês de diversidade e para a melhoria das relações com os funcionários, para que passem a ser mais justas e, também, de uma análise mais abrangente dos programas de Compliance, incluindo governança de dados”, explica.
A gestão de risco e o ganho de reputação também podem ser evidências do cumprimento de métricas ESG, segundo Maria Beatriz.
Advogada Maria Beatriz Armelin Petroni. (Foto: Divulgação)
- Títulos verdes
Segundo o banco sueco Skandinaviska Enskilda Banken (SEB), os Green Bonds, ou ‘títulos verdes’ devem movimentar cerca de US$ 1,2 trilhão este ano globalmente.
Para Maria Beatriz, “várias empresas brasileiras emitiram títulos verdes e captaram recursos no mercado local e internacional, financiando importantes projetos de impacto ambiental. Essas captações também produziram um impacto positivo na reputação dessas empresas, pois deixaram claro o seu propósito de contribuir para projetos importantes do ponto de vista climático. A lista inclui projetos de energia renovável, eficiência energética, controle de poluição e gestão de recursos naturais, por exemplo. Importante notar que os rendimentos para os investidores foram compatíveis com os dos títulos tradicionais no mercado, portanto, não há por que não optar por eles. Vale ressaltar também que a B3 (Brasil, Bolsa, Balcão) reestruturou os índices ISE B 3 (Índice de Sustentabilidade Empresarial) e o ICO2 B3 (Índice Carbono Eficiente) de forma a torná-los mais interessantes para o investidor”.
- ESG no Brasil
Segundo Marcella Ungaretti, analista da XP, pelo tema ESG ter ganhado força no país apenas recentemente, o movimento aqui, quando comparado ao cenário internacional, ainda é tímido. “Mas, do lado positivo, nos últimos meses o assunto tem entrado cada vez mais na pauta dos investimentos e todos os olhos estão voltados para essas três letras”. Para a analista, o caminho para o Brasil adiante é longo, mas já vemos avanços consideráveis e o país, cada vez mais, se mostrando preparado para receber investimentos de fundos estrangeiros. “Acreditamos que os avanços na responsabilidade socioambiental e de governança (ESG) nas empresas brasileiras é uma condição quase sine qua non para o estrangeiro ter cada vez maiores posições no país e, embora ainda tenhamos muito o que avançar, estamos caminhando na direção correta”, explica.
Na visão da advogada Maria Beatriz, o Brasil já está preparado para receber investimentos de fundos internacionais de temática ESG.
“Existem muitas empresas brasileiras que já possuem uma boa governança e apresentam boa performance em índices de sustentabilidade. Em 2020 tais empresas performaram melhor que outras que não adotam tais critérios. Essa é uma tese de investimento que tem sido discutida e que tem se provado adequada. Portanto, a percepção geral é que é possível ter retorno financeiro e promover a agenda do desenvolvimento sustentável”.
Em contrapartida, Rodrigues e Teixeira, do CMARTINS, ressaltam que, embora a discussão avance no país, o Brasil ainda não está “completamente preparado" para receber investimentos de fundos internacionais baseados em ESG por falta de uma “visão sistêmica" a longo prazo. "O Brasil precisa avançar rapidamente nestas questões. É importante também debater e implementar novos marcos regulatórios, leis, estímulo fiscal e imposto verde”, reafirmam os advogados.