Reforma tributária: “Com um IVA acima de 25%, compromete-se o processo de reindustrialização”
Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp, indica que são fundamentais uma política de crédito que melhore as condições de captação para a indústria de transformação no Brasil.
Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp. (Foto: Divulgação)
Recentemente, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) lançou um levantamento que mostra que os investimentos na indústria de transformação no Brasil, que em 1996 representavam 16% do total e alcançaram 21% em 2007, terminaram 2021 no nível mais baixo desse intervalo, em 13%. O estudo mostra que investimentos anuais desse setor representaram 2,6% do PIB em 2021, porcentual que sequer alcança o suficiente para cobrir a depreciação do parque instalado (2,7%). Para reverter esse quadro, Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp, indica que são fundamentais uma política de crédito que melhore as condições de captação para o setor – demanda para qual o governo sinalizou com a proposta da Letra de Crédito de Desenvolvimento (LCD), que se equipararia à LCA para a agricultura e a LCI do setor imobiliário – e que a reforma tributária seja concluída com uma alíquota de IVA que não supere os 25%. Enquanto em setores como o saneamento (leia aqui) há demanda por ampliação dos beneficiários de tratamento diferenciado, Rocha afirma que para a indústria de transformação o problema está no aumento dessa lista de exceções. Confira a conversa:
Recentemente, a Fiesp divulgou estudo em que ilustra a queda de investimentos na indústria apontando que, para voltar ao mesmo nível de produtividade da década de 1970 – que correspondia a 55% da produtividade dos Estados Unidos, contra os atuais 20% –, seria preciso um investimento anual de R$ 456 bilhões por um período de 7 a 10 anos, ou 4,6% do PIB. Quais segmentos identificam que estão mais próximos de engatar essa retomada?
No estudo, não analisamos a necessidade de investimento e estoque por segmento. Mas é possível traçar alguns comentários a partir do que se debate na Fiesp. Primeiramente, vale ressaltar que um dos destaques desse trabalho foi demonstrar que o aumento da participação do segmento de petróleo e combustível no investimento da indústria pode distorcer a visão que temos do investimento no setor. Dividimos a análise em dois períodos (1996-2000 e 20017-2021) e, da mesma forma que costumamos fazer quando analisamos a infraestrutura, onde se identifica a evolução do investimento também excluindo a Petrobras, elaboramos séries com e sem a participação da indústria de transformação de petróleo e combustíveis, para limpar vieses (de 1996 a 2000, o segmento de petróleo e combustível respondeu por 9,2% do investimento da indústria de transformação; entre 2017 e 2021, esse porcentual subiu para 32,2%). Ao excluí-la, fica clara a queda tanto no investimento quanto no estoque de capital.
Quanto à sua pergunta, onde há mais oportunidades hoje para desenvolver, é preciso primeiro considerar que o que perdemos no passado não volta. Agora, o planejamento estratégico tem que focar em uma ação sinergética entre hoje e o futuro. Nesse campo, destaca-se a posição estratégica fenomenal do Brasil nesse mundo que busca neutralidade em emissões de carbono, seu potencial para ser plataforma de produção para diversos países, seja para entrar no powershoring (leia mais sobre powershoring na Conjuntura Econômica de setembro), com uma matriz limpa de energia à frente da média mundial, atraindo investimentos estrangeiros para o desenvolvimento de diversos segmentos. Temos, por exemplo, o potencial e exploração das terras raras, impulsionando projetos de empresas como a WEG, que já transitam no ecossistema de produtos que podem ser gerados a partir desses insumos, como no segmento de baterias para carros elétricos. Também temos oportunidades relacionadas à cadeia das energias renováveis. E, ainda, o hidrogênio a partir de fontes renováveis, como eólica e solar, bem como a biomassa.
Não menos importante é o desenvolvimento do mercado de carbono brasileiro. Com uma regulamentação bem-feita, a Amazônia pode ter importante potencial de desenvolvimento associado ao desenvolvimento industrial. Este, diga-se de passagem, também pode estar associado a uma indústria verde, ao agronegócio sustentável e suas variações. São muitas coisas.
Até o momento, pelas sinalizações dadas pelo governo quanto a políticas e programas, quais perspectivas identifica adiante?
Do ponto de vista de coordenação de expectativas, estamos no caminho correto. Acabamos de voltar de Nova York onde, em paralelo à Assembleia Geral da ONU, houve a Semana do Clima, que reuniu investidores internacionais, e achei positiva a receptividade que o Brasil teve. Houve uma sinalização boa dos Estados Unidos olhando para nossas potencialidades, analisando parcerias geopolíticas que podem ser estabelecidas a partir de questões globais produtivas e comerciais tal como estão colocadas no pós-pandemia. O governo brasileiro também mostrou um alinhamento significativo entre as casas – Executivo, Senado e Câmara – nesse tema, e isso foi muito bem-vindo lá fora. Agora, entretanto, precisam ser entregues os planos para se montar a estrutura comercial e produtiva relacionada a esse novo mundo o mais rápido possível, para que o Brasil possa aproveitar em plenitude essas oportunidades.
Voltando às expectativas de retomada de investimentos, como avalia o caso de indústrias tradicionais que não estão diretamente relacionadas a essa cadeia de valor da descarbonização?
Hoje, a dificuldade que vejo dessas indústrias operarem e se manterem na fronteira tecnológica se dá por dois grandes eixos: do crédito e o tributário. No Brasil, o financiamento é extremamente restritivo para a indústria de transformação. Para uma empresa industrial, um financiamento a taxa de mercado parte de 25% ao ano. Não se consegue fazer uma captação utilizando instrumentos que ajudem a trazer o mercado privado, como acontece com a construção civil ou o agronegócio. Veja, por exemplo, o sucesso do Plano Safra como indutor do crescimento do agronegócio. Por isso que uma das nossas agendas é ter o Plano Safra da indústria de transformação, para termos esse crowding in do setor privado e não ficar tão dependente do setor público.
No caso do crédito, estão sendo elaboradas propostas voltadas tanto ao campo do custeio quanto do investimento – similares aos CRIS, CRAS, LCA –, visando a propiciar um desenvolvimento mais harmônico do setor, tal como acontece no agro, com linhas que atendam tanto o pequeno industrial quanto empresas de pequena escala e as de maior porte.
Mudança setorial no investimento total da indústria de transformação (principais em % de participação): petróleo e biocombustíveis ganham terreno
Fonte: Fiesp, com dados da PIA/ IBGE.
A reforma tributária consta das ações fundamentais apontadas pela Fiesp no estudo – junto com outras 4: plano de produção, depreciação imediata, jornada de digitalização nacional e capacitação da força de trabalho. No caso, pleiteia-se uma alíquota máxima de IVA de 25%, mas levantamentos apontam que o projeto aprovado na Câmara já supera esse porcentual (o mais recente, apresentado pelo TCU, indica, com as exceções aprovadas na Câmara, um IVA de 27% no cenário conservador)...
Sim, mas se não conseguirmos estabelecer um teto de 25%, será um retrocesso. Veja, o que a indústria pede não é qualquer tipo de tratamento diferenciado; apenas não quer pagar a conta dos outros. É isonomia... O ideal é que todos paguem igual para todo mundo pagar menos.
Claro que alguns segmentos podem ter tratamento diferenciado com base em critérios técnicos e na experiência internacional. Mas o conjunto de exceções que passou na Câmara é excessivo. É preciso compreender que, quanto mais exceções são postas, mais se condiciona o país à armadilha da renda média.
Veja, de acordo a estudos do próprio Ministério da Fazenda, um IVA com total tratamento isonômico teria alíquota entre 20% e 22%. Para a indústria, qualquer calibragem da alíquota acima de 25% – que já está acima do patamar caso todo mundo pagasse –, compromete o processo de reindustrialização. E as políticas industriais serão, mais uma vez, políticas paliativas. Precisarão incluir compensações que geram ineficiência alocativa. É isso.
Quanto à depreciação acelerada, qual as perspectivas de atendimento a essa reivindicação – já houve sinalização do governo de se começar em 2024 – e do impacto com essa medida?
A entrada em vigor dependerá de organização orçamentária da Fazenda. Vale lembrar que não se tata de renúncia fiscal, mas de um remanejamento intertemporal da alocação. Nossa perspectiva é saber em outubro quais setores serão contemplados dentro da indústria – a ideia é atender os intensivos em capital –, para começar a valer a partir do ano que vem. O que o governo tem sinalizado é de investir R$ 17 bilhões nesse programa.
Qual a estimativa da Fiesp para o PIB da indústria em 2023 e em 2024?
Nossa estimativa é de -0,5% este ano. Para 2024, enquanto não houver uma definição da estrutura para crédito/financiamento e da estrutura tributária alinhada à experiência internacional, a tendência de fraco desempenho não mudará.