Heleno Torres sobre a Reforma Tributária: 'Os debates podem entrar no federalismo que não teremos mais controle'
Professor titular de Direito da USP reforça a importância da aprovação da Reforma Tributária pelo Senado ainda este ano para evitar a federalização da pauta.
Heleno Torres, professor titular de Direito da USP. (Foto: Divulgação)
Esta semana, mais um passo pode ser dado para a conclusão da reforma tributária, com a entrega pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) do relatório final da proposta à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
O prazo de entrega já foi adiado duas vezes, refletindo a dificuldade de se costurar a construção política, marcada pela representação de diversos grupos de interesse, que dará a cara definitiva de uma proposta originalmente técnica.
A criação de uma quarta alíquota – além da alíquota padrão, a com desconto de 60% e a zerada –, a possibilidade de uma trava legal à carga e mudanças no conceito do Conselho Federativo – responsável por administrar a arrecadação e distribuição dos impostos – ainda eram temas em discussão na semana passada. Ao que se somou a apresentação de um relatório pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) que colocou ainda mais dúvidas sobre a maturação do projeto.
No seminário Diálogos Amazônicos, promovido pela FGV EESP dia 20, Heleno Torres, professor titular de Direito da USP, reforçou a complexidade de se harmonizar o texto de uma reforma tributária que o país vem perseguindo há décadas. Torres, que desde a apresentação da PEC 45 levanta pontos quanto à sua complexidade e longo prazo de transição, defendeu, entretanto, a importância de sua votação ainda este ano.
“Espero que o Senado avance nesse processo para que tenhamos uma reforma votada ainda este ano. Em 2024 temos eleições municipais, e aí os debates podem entrar no federalismo que não teremos mais controle”, afirmou.
No evento, um dos tópicos de destaque foi o arranjo para se garantir competitividade da Zona Franca de Manaus (ZFM). Bernard Appy, secretário Extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, coautor da proposta que deu origem à PEC 45, destacou que desde o início das discussões do projeto houve uma decisão política de se manter a competitividade da ZFM.
Nelson Machado, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), apresentou o resultado de uma nota técnica com proposta de modelo para esse equacionamento. Para tanto, o CCiF desenvolveu um conceito de valor equivalente aos benefícios atuais nos novos tributos.
“Nos benefícios do PIS Cofins, entendemos que o sucedâneo direto seria a transposição à CBS. Para o ICMS, que é o aspecto mais complexo, construímos uma formula paramétrica que traz todos os benefícios, e o valor equivalente é igual o crédito presumido produzido”, descreveu.
No caso do IPI, o desafio está em compensar alíquotas que em certos casos são elevadas, chegando a 35%, o que demanda um instrumento de compensação adicional ao IBS/CBS. Na nota, a CCiF separa bens intermediários – cujos valores equivalentes, diz a nota, podem ser abatidos da CBS – dos acabados.
“No caso dos produtos acabados do IPI, entendemos que a linha geral que está na PEC – ou seja, fazer o sucedâneo no imposto seletivo –, é uma solução ruim, porque teria que aumentar a abrangência do campo de atuação do imposto seletivo, criando insegurança jurídica”, afirma Machado, indicando que a proposta da CCiF é a de manutenção do IPI para produtos circunscritos da ZFM produzidos fora de lá.
Ele avalia que o uso da Cide, como levantado na semana passada, pode ser um bom sucedâneo. “Ela tem o mesmo condão do IPI, com a vantagem de que a narrativa de que se acabou com o IPI continua mantida”, afirma.
No evento, o senador Eduardo Braga classificou a ZFM como “maior projeto de conservação da floresta amazônica, ainda que sua criação não tenha sido pensada com esse objetivo”.
No evento, Luiz Frederico Oliveira Aguiar, superintendente executivo da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), citou estudo indicando que a expansão do emprego na indústria nos municípios da ZFM está negativamente correlacionada ao aumento do desmatamento.
Em 2022, o Polo Industrial de Manaus empregou 108,7 mil pessoas entre trabalhadores efetivos, temporários e terceirizados, contra uma média de 86 mil entre 2016-2020. Este ano, no acumulado até junho, somam-se 111 milhões de empregados, equiparando-se ao nível de 2015. Em 2022, o faturamento da ZFM foi de R$ 177,2 bilhões.
Em sua exposição, Braga também defendeu que o desmatamento e o desenvolvimento sustentável da região dependem de regularização da política fundiária – “como ter uma política de desenvolvimento, aprovar manejo florestal, se não tenho titularidade da terra?” – e investimento em infraestrutura logística, destacando as implicações de uma infraestrutura precária para o atendimento da população em situações de risco como na atual seca.
“Somos proibidos de ter redundância num modal de transporte, o que nos impõe um isolamento pela cegueira, de quem não entende que uma única interligação pode significar a diferença entre o isolamento humanitário para 2 milhões de brasileiros que vivem no interior da floresta amazônica”, apontou, citando a falta de obras na BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). O tema é controverso pelo risco, apontado por ambientalistas, de essa via facilitar o desmatamento.
Reforma e saneamento
Em conversa para o Blog, o secretário Appy comentou o debate em torno da alíquota do IVA para o setor do saneamento e suas implicações para o investimento do setor rumo à universalização dos serviços de água e esgoto. Em evento recente, a Associação das Empresas Estaduais de Saneamento Básico (Aesbe) apontou que o aumento de carga tributária esperado com a reforma poderá representar uma queda em até 46,9% na capacidade de investimento dessas companhias (leia mais aqui).
“Certamente esse é um tema que foi debatido no Senado”, afirmou, ponderando que a alíquota média que o setor afirma arrecadar hoje, em torno de 9%, “não considera todo o custo tributário que onera os investimentos, e saneamento hoje é muito intensivo em investimento”.
Quanto à proposta apresentada pela Aesbe de enquadrar o saneamento na mesma alíquota dos serviços de saúde – com desconto de 60% na alíquota padrão –, o secretário considera não ser a alternativa adequada, posto que “dessa forma subsidiará os serviços também das famílias mais ricas”. Para ele, o arranjo mais virtuoso seria o uso do cashback, com devolução de imposto para as famílias de baixa renda, “de forma que o custo para essas famílias talvez fosse até menor do que é hoje, e para as famílias de alta renda pudesse ser até um pouco maior do que o atual, o que não seria problema.“