Fernando Veloso, FGV IBRE: 'Sem uma melhora no agregado dos serviços, será difícil ter um ganho sustentado da produtividade'
Pesquisadores do FGV IBRE identificam sinais de disseminação em 2023 e a tendência para 2024.
Fernando Veloso, coordenador do Observatório. (Foto: Divulgação)
No início do ano passado, ao analisar os resultados da produtividade da economia brasileira de 2022, os pesquisadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli confirmavam um triste diagnóstico: o de que os ganhos de produtividade observados no início da pandemia – com muitos trabalhadores pouco qualificados perdendo seu emprego – eram de fato concentrados na mudança da composição do mercado de trabalho, e tinham prazo de validade curto. Em 2022, a produtividade por hora efetivamente trabalhada retraiu -4,4%; em 2021, esse ajuste tinha sido ainda maior, com queda de 8,1%, depois de uma alta de 12,7% em 2020.
Em 2023, entretanto, os estudos do Observatório – que foram destaque, entre outros, de matéria e editorial do jornal Valor Econômico (links com acesso restrito a assinantes do jornal) – apontaram a uma mudança de quadro, com essa mesma medida de produtividade registrando expansão de 1,9%.
O papel do agro – cuja produtividade é mais volátil – foi importante. Em 2023, a produtividade do setor cresceu 21,1%. A produtividade por horas trabalhadas da indústria, por sua vez, cresceu 2%; nos extremos estão os serviços de utilidade pública, com alta de 6,2%, e a indústria de transformação, com -1,5%. Já os serviços registraram expansão de 0,1%. O destaque foram as atividades de intermediação financeira, com alta de 1,2%, e o pior resultado ficou com o setor de transportes, com -2,3%.
Os segmentos que registraram maior produtividade também apresentaram maior expansão do valor adicionado – variável que é comparada a indicadores de trabalho para o cálculo da produtividade –, reforçando o sinal identificado pelos pesquisadores do IBRE de algum grau de disseminação dessa melhora para além do agro. Fernando Veloso, coordenador do Observatório, ressalta que essas atividades além do agro que se destacaram em produtividade empregam pouco, e sozinhas dificilmente conseguirão influenciar na produtividade agregada da economia.
“Sem uma melhora no agregado dos serviços, será difícil ter um ganho sustentado da produtividade”, afirma.
O coordenador do Observatório indica que alguns dados do mercado de trabalho reforçam o diagnóstico de disseminação da melhora da produtividade. O primeiro é o crescimento da participação do emprego formal na recuperação do mercado de trabalho, ainda que retomada inicial tenha sido impulsionada pela informalidade. E essa tendência se manteve mesmo com a economia em desaceleração a partir do segundo semestre de 2023.
É fato que parte dessa formalização esteve concentrada nos microempreendedores individuais (MEIs), com aumento de 20,6% em relação ao número pré-pandemia, cujas implicações tendem a não ser tão virtuosas para a produtividade (leia mais).
“Mas o emprego carteira assinada também aumentou, e está 9,9% acima”, diz. Veloso também destaca que, dentro do mercado informal, há variações positivas na composição, com um aumento maior dos trabalhadores sem carteira do que os por conta própria sem CNPJ. Isso é bom porque, explica Veloso, a empresa para a qual esse trabalhador trabalha certamente é maior, e mais produtiva, do que um autônomo sem CNPJ.
Outro sinal positivo identificado pelos pesquisadores do Observatório é que a composição educacional do mercado de trabalho voltou ao comportamento pré-pandemia. No ano passado, pandemia, trabalhadores dos grupos sem instrução ou com fundamental incompleto e fundamental completo e médio incompleto encolheram entre a população ocupada, depois de crescer, somados, mais do que os demais em 2021 e 2022. “Mesmo dentro do setor informal, essa composição educacional melhorou – ainda que nem sempre seja positivo ter pessoas com mais escolaridade de informalidade”, diz Veloso.
No caso da Produtividade Total dos Fatores (PTF), que mede a eficiência na combinação do uso do capital e do trabalho para produzir, o resultado também foi positivo, com alta de 0,7% em 2023, mas ainda está 5,1% abaixo do nível pré-pandemia. O lado meio cheio desse copo, destacam os pesquisadores, é que, observando a tendência a partir da média da evolução da PTF brasileira entre 2017-19, o resultado está melhor do que o projetado.
O que esperar para 2024? Veloso lembra que uma contribuição menor do agronegócio na atividade é um fator negativo, mas reforça que um ganho estrutural dependerá de uma melhora vinda do setor de serviços.
A médio/longo prazo, outro fator que fará diferença é a melhora da qualidade da educação e da escolaridade média. Veloso ressalta que o Indicador de Capital Humano calculado pelo Observatório desde o ano passado, com dados a partir de 1995, mostra que a melhora da escolaridade e da experiência da população ocupada nesse período contribuiu positivamente para a produtividade do trabalho no Brasil.
“Da mesma forma, quando falamos dos problemas de qualidade do ensino, isso certamente está refletido em nossos desafios de eficiência, aumento de salários”, enumera.
E a tecnologia?
O debate sobre a evolução a produtividade das economias permeia as principais economias, e é monitorado constantemente pela equipe do Observatório. “Esse trabalho foi particularmente útil na pandemia, quando pudemos constatar que o comportamento errático da produtividade que observávamos no Brasil também acontecia em países desenvolvidos e outros emergentes”, diz Veloso.
Nos Estados Unidos, da mesma forma que o isolamento provocou uma mudança na composição do mercado de trabalho que alterou pontualmente os resultados de produtividade, o país também registrou alta nos indicadores em 2023.
“Esse é um resultado que pode ser bom para o crescimento, mas também para a política monetária”, diz Veloso, o que poderia influenciar nas decisões sobre o ritmo de corte de juros.
Ele diz que entre os especialistas algumas hipóteses foram levantadas para essa melhora, sendo as principais a normalização das cadeias globais de valor, a normalização do mercado de trabalho – após a retomada plena do setor de serviços em 2022, tal como no Brasil –, e uma terceira possibilidade, ainda em estudo, de efeitos de uma maior adoção tecnológica, especialmente da inteligência artificial (IA).
“Em coletiva no final de janeiro, Jerome Powell, presidente do FED, declarou não considerar que a IA tenha efeito no curto prazo. Levando em conta a melhora que a produtividade nos EUA registrou na margem, até se poderia pensar em algum efeito da IA, mas ainda não há nada consistente”, diz.
“Temos que lembrar que a PTF – que é um dado mais consistente para detectar impacto de adoção tecnológica – nos EUA também está abaixo do pré-pandemia, e os dados de 2023 do Reino Unido e da União Europeia também são ruins. Isso não parece ser uma boa notícia para aqueles que acreditam nessa influência da IA. Afinal, é dessas economias que esperaríamos ver os primeiros reflexos de adoções tecnológicas na produtividade”, conclui.