Governo Federal manifesta interesse em regulamentar o Lobby no Brasil
A regulamentação do lobby no Brasil é discutida há pelo menos 30 anos, tendo em vista que o primeiro projeto de lei foi apresentado no final da década de 80. Mas houve avanços nas últimas semanas.
Fernanda Burle: lobby foi contaminado por uma prática criminosa como a corrupção. (Foto: Divulgação)
O Governo Federal tem manifestado interesse em impulsionar a regulamentação do Lobby no Brasil. Nas últimas semanas, o líder do Governo na Câmara dos Deputados se pronunciou no sentido de que trabalhará para incluir o tema na pauta da Casa ainda este ano, referindo-se ao PL 1202/2007. Em resposta, o Ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) Wagner Rosário afirmou que o texto atual do PL contém problemas, entre eles a criação do cadastro de lobistas e o fato de destoar dos padrões adotados por países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Esses movimentos retomam a necessidade de esclarecer à iniciativa privada o que é a atividade de lobby, como ela funciona em outros países e o que pode ser permitido e lícito no Brasil. Ouvimos especialistas para esclarecer essas dúvidas.
Antes de mais nada, por que lobby é diferente de corrupção?
Lobby é um termo que foi popularizado por se referir de uma forma simplificada (e até simplista) a uma atividade mais complexa e abrangente que é essencialmente a defesa de interesses. Mais especificamente: o engajamento direto com um tomador de decisão para a defesa legítima de um interesse.
Corrupção é crime. Pressupõe a busca de uma vantagem indevida a ser conferida a um particular por um servidor público. O lobby, por sua vez, é uma atividade legítima, fundada no direito constitucional de petição (art. 5º, XXXIV, “a”), por meio da qual se defende um direito ou se afasta uma ilegalidade ou abuso de poder.
“Infelizmente, a publicidade que se dá aos casos em que o exercício do lobby foi contaminado por uma prática criminosa como a corrupção é bem maior do que aquela que se dá ao exercício legítimo, comum e corriqueiro da atividade de defesa de interesses”.
Argumenta a advogada Fernanda Burle, conselheira e vice-presidente do Comitê de Relações Governamentais da OAB, coordenadora do Grupo de Relações Governamentais do CESA e sócia do escritório MJ Alves e Burle Advogados.
A verdade é que, como qualquer atividade, o lobby pode ser praticado legitimamente ou ser descaracterizado por seu exercício criminoso. Sem dúvida, onde os interesses públicos e privados se cruzam, há uma necessidade maior de ser vigilante. Isso deve ser sempre lembrado para reforçar a legitimidade da atividade praticada nos limites da ética e da lei.
Como funciona o lobby na política brasileira?
Na prática, quanto a este processo de defesa de interesses, o que se percebe é a diversidade de formas de atuação, que pode ser atribuída a vários fatores como: (i) a complexidade do Estado e dos interesses da sociedade brasileira; (ii) a capilaridade das políticas públicas e do ordenamento jurídico necessários para atender às demandas sociais; (iii) a ausência de legislação específica que discipline e oriente a atividade de lobby no Brasil; e (iv) a pluralidade de perfis e formas de atuação daqueles que exercem a atividade de lobby.
“Vale dizer que o lobby se apresenta de inúmeras maneiras, desde um documento técnico de posição setorial, apresentado estrategicamente em reunião junto a um stakeholder, ou até mesmo pela aglomeração de um grupo de cidadãos segurando cartazes na porta de um órgão governamental, de modo a manifestar seu posicionamento”, ilustra o advogado Leandro Modesto, sócio e especialista em Relações Governamentais do MJ Alves e Burle Advogados
Sob tal contexto, esta atuação tem se desenvolvido na política brasileira com base no perfil de cada setor ou organização social, submetendo-se às limitações constitucionais, legais e regimentais, sobretudo no aspecto criminal, de maneira cada vez mais orientada por literatura especializada, seminários, palestras e boas práticas de mercado.
De fato, a atividade de lobby tem se qualificado gradativamente ao longo dos últimos anos, colaborando na política para fornecer dados e subsídios pertinentes a cada setor, o que representa um avanço no processo de tomada de decisões governamentais.
Leandro Modesto: lobby se apresenta de inúmeras maneiras. (Foto: Divulgação)
O que é permitido e o que é proibido no lobby?
Considerando a ausência de regulamentação da atividade, é necessário buscar os princípios e normas aplicáveis à relação entre atores públicos e privados, em especial no que tange à defesa de interesses, a fim de se identificarem estes limites.
Neste aspecto, em primeiro lugar, é essencial que as práticas de lobby estejam alinhadas com os princípios constitucionais que regem a administração pública, de modo a se enquadrar na legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade (observando-se questões protegidas por sigilo legal) e eficiência (art. 37 da Constituição). Da mesma forma, é necessário observar questões de ordem econômica, evitando-se conduta que favoreça o abuso de poder econômico, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros (art. 173, §4º, da Constituição).
Ao lado disso, o Código Penal Brasileiro contém enunciados que expressamente criminalizam práticas relacionadas à defesa de interesses e à influência no processo de tomada de decisões governamentais. Dessa forma, assim como a qualquer cidadão, é proibido ao lobista: (i) solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função (Tráfico de Influência, art. 332 do CP); (ii) oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício (Corrupção Ativa, art. 333 do CP); e (iii) patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário (Advocacia Administrativa, art. 321 do CP, para o caso de servidor público defender interesse privado).
Segundo Modesto, “vale ressaltar que grande parte dos profissionais que compõem os setores do mercado possuem seus próprios regulamentos, inclusive com códigos de ética e disciplina que condenam determinadas condutas, o que também deve ser observado na defesa de interesses setoriais”.
Como anda o processo de regulamentação do lobby no Brasil?
A regulamentação do lobby no Brasil é discutida há pelo menos 30 anos, tendo em vista que o primeiro projeto de lei foi apresentado no final da década de 80, logo após a promulgação da Constituição Federal (Projeto de Lei do Senado 209/1989, do então Senador Marco Maciel). Este projeto pouco avançou em termos de tramitação nos anos seguintes.
Desde então, o que se observa são movimentos sazonais de discussões em relação ao assunto, até o momento, insuficientes a se concretizar a aprovação da regulamentação. Podem ser citadas as principais proposições tramitando atualmente no Congresso Nacional, quais sejam, o Projeto de Lei 1202/2007, do Deputado Carlos Zarattini (PT/SP), e a Proposta de Emenda Constitucional 47/2016, do então Senador Romero Jucá (PMDB/RR).
Um dos principais fatores que paralisam o avanço de tramitação destas proposições é a ausência de consenso entre os parlamentares e o próprio setor em relação ao conteúdo dos textos, sobretudo envolvendo questões como (i) burocratização da atividade de lobby e do acesso aos tomadores de decisão; (ii) igualdade de condições de acesso por parte dos setores do mercado; e (iii) nível de transparência e prestação de contas quanto aos assuntos tratados entre atores públicos e privados.
Em paralelo à regulamentação, o Ministério do Trabalho adotou uma importante medida, em fevereiro de 2018, quanto à atividade de defesa de interesses, incluindo-a na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), cujo código 1423-45 refere-se ao “profissional de relações institucionais e governamentais”. Pela descrição oficial, tais profissionais atuam no processo de decisão política, participam da formulação de políticas públicas, elaboram e estabelecem estratégias de relações governamentais, analisam os riscos regulatórios ou normativos e defendem os interesses dos representados.
Ainda segundo Modesto, “trata-se de um avanço histórico, por se tratar da primeira descrição oficial a delimitar minimamente um conceito que tanto já foi explorado ao longo dos anos nos ambientes acadêmico e literário”.
Atualmente, o Governo Federal tem manifestado interesse em impulsionar esta agenda, ainda sem uma definição do texto a ser priorizado. Nas últimas semanas, já em setembro, o Líder do Governo na Câmara dos Deputados se pronunciou no sentido de que trabalhará para incluir o tema na pauta da Casa ainda este ano, referindo-se ao PL 1202/2007. Em resposta, o Ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) Wagner Rosário afirmou que o texto atual do PL contém problemas, entre eles a criação do cadastro de lobistas e o fato de destoar dos padrões adotados por países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Portanto, mais um impasse a ser superado para se avançar a regulamentação do lobby no Brasil.
Qual é a diferença das práticas de lobby no Brasil e em outros países?
Apesar de a prática do lobby ser antiga em todo o mundo, a sua compreensão pela sociedade e consequente regulamentação evoluiu de formas distintas. No Brasil, por ser amparada em direito constitucional de forma ampla, não específica, a sociedade ainda tem dificuldade de entender seus objetivos, características e limites. De acordo com Fernanda Burle, “o lobby vem se desenvolvendo de uma forma quase espontânea, a partir do anseio de grupos de interesse de se sentirem ouvidos e representados junto aos tomadores de decisão. É uma evolução essencialmente democrática da atividade”.
No mesmo sentido, por se tratar de uma democracia em processo de amadurecimento, o Brasil aceita e entende cada vez mais a necessidade dessa representação e defesa de interesses.
Em países com menor grau de evolução democrática o acesso da sociedade aos tomadores de decisão e órgãos governamentais em geral ainda é bastante reduzido, o que dificulta a prática do lobby, chegando a inviabilizá-la ou mesmo a torná-la inócua porque meramente formal.
“Quanto mais madura a democracia, maior voz os grupos de interesse terão, maior espaço haverá para a atuação em defesa de direitos da sociedade, mais consolidada e respeitada será a prática do lobby”, diz Fernanda.
Quais os benefícios que a formalização da prática pode trazer?
A previsão na Constituição de um país, como é o caso do Brasil, do direito democrático de se fazer ouvir por seus governantes constitui o maior reconhecimento à prática do lobby. Nesse nível, a formalização traz o benefício de atribuir legitimidade a essa atividade.
“A regulamentação da atividade, que seria sua formalização em níveis inferiores na hierarquia normativa (legal ou infra-legal), é uma faca de dois gumes”, comenta Fernanda.
Dependendo do seu resultado, pode burocratizar ou restringir uma atividade que é a essência da democracia e que, como tal, deve ser por todos praticada – independentemente de interesse representado, capacidade de financiamento ou formação profissional.
Temos que ter em mente que países com democracia madura, mas que tiveram uma regulamentação excessiva, motivada por escândalos de corrupção, como é o caso dos Estados Unidos, tiveram como resultado, de um lado, o crescimento da informalidade e, de outro, o aumento do custo operacional da atividade por quem segue suas regras.
Bem elaborada, a formalização da prática em nível infra-constitucional pode estabelecer parâmetros e diretrizes de atuação que sirvam de referência aos profissionais que pretendem atuar na área de forma ética e legítima. Pode ter ainda um efeito didático de mostrar à sociedade os mecanismos democráticos que estão à sua disposição para a defesa de seus direitos. Mas não devemos nos iludir: certamente não servirá para inibir o crime. Para isso, estão o Código Penal e a legislação penal esparsa.
(Fonte: LETS Marketing)