Nova estrela revela pistas sobre os primeiros instantes do Universo

Astro com baixíssima presença de metais pode alterar hipóteses sobre a formação das primeiras gerações estelares.

 

Captura de tela 2025-09-12 113132Estrela ultrapobre em metais foi descoberta na Via Láctea. (Foto: European Space Agency//Wikimedia Commons).

Em colaboração internacional, astrônomos de dez universidades espiam o Universo de 13 bilhões de anos atrás e buscam descrever os momentos que sucederam o Big Bang. A identificação de uma nova estrela, apelidada de GDR3_526285, fez com que os pesquisadores percebessem que não entendem tanto quanto imaginavam sobre a formação dos astros primordiais, já que a descoberta coloca em xeque as hipóteses atuais sobre a evolução desses corpos celestes.

A estrela apresenta uma das menores quantidades de “metais” já observadas. Na astronomia, metais são quaisquer substâncias além do hidrogênio e do hélio – do carbono ao plutônio. Essa característica a classifica como descendente direta das primeiras estrelas. É um fóssil cósmico vivo – até onde se sabe. Localizada há cerca de 80 mil anos-luz do nosso sistema solar, a estrela ocupa a periferia da Via Láctea. Isso significa que, entre o momento de sua morte e seu desaparecimento no céu terrestre, 80 mil anos já teriam se passado – um piscar de olhos na história do Universo.

O astro acompanha o halo de nossa galáxia – a região que circunda o sistema e abriga corpos celestes agregados pela gravidade ou incorporados por colisões. A estrela descoberta difere das que brilham por lá: é tão pobre em metais que nem se detecta o carbono – um dos elementos mais comuns do Universo conhecido.

No espaço primordial, as estrelas não tinham muitas escolhas. Um Universo recém-criado não possui muita diversidade de elementos: os astros, então, eram compostos de hidrogênio e hélio. As substâncias ganharam mais cores e formas à medida em que o material já existente era processado e fusionado.

Doutor pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, Guilherme Limberg explica que as primeiras estrelas eram gigantes – e, por isso, tiveram uma existência breve. Quanto maiores eram, maior a luta contra a gravidade, que busca implodi-las, conta. “A partir do momento em que não se consegue mais queimar hidrogênio para formar a energia necessária para se manter viva, ela se torna instável, colapsa e explode como supernova.”

Primeiro autor do artigo publicado na revista The Astrophysical Journal Letters, ele explica que as mortes estelares promovem o surgimento de novos elementos. Através das gerações de estrelas, ocorre um aumento gradual na diversidade de substâncias – e é isso que chama atenção no astro novo.

Genealogia estelar

A ciência divide as estrelas em três grupos, cada um com uma concentração de metais – uma metalicidade – diferente. Essas populações classificam esses corpos celestes por composição química e, consequentemente, por idade ou período de formação. “É como a taxonomia da biologia: uma forma conveniente de se organizar esses astros,” elucida Limberg.

A convenção astronômica define, primeiro, estrelas como o Sol. A População 1 é composta de estrelas novas, com maior diversidade de elementos e que, em geral, habitam o disco da Via Láctea – a espiral central que contorna o buraco negro da galáxia. Os registros arqueológicos, então, começam a partir da População II.

Pobres em metais, o segundo grupo é formado por estrelas mais velhas. Geralmente encontradas nos halos, são o penúltimo degrau na escala de proporção de metais, que se diversifica pouco a pouco através das gerações estelares.

Mas ainda se diferenciam de um terceiro grupo de astros ultrapobres em metais, e estudar essa classe é uma forma moderna de inferir propriedades das gerações estelares iniciais.

A População 3 é, muitas vezes, encarada como uma hipótese. A classe descreve os corpos celestes que primeiro habitaram o espaço, formadas à medida que as primeiras galáxias resfriavam e colapsavam.

Há apenas um problema: sua análise direta é impossível. Essas estrelas tiveram uma vida curta e não são encontradas atualmente pelos telescópios. Resta aos cientistas traçar sua genealogia – as identificando pelos “genes,” a metalicidade das descendentes.

Linhas espiraladas desenham o campo magnético do buraco negro e mostram o adensamento de matéria promovido por ele.
Sagittarius A* é o buraco negro supermassivo que governa o movimento orbital de toda a Via Láctea. 

“Estrelas, em geral, são só grandes bolotas de gás,” conta o astrônomo. “Elas basicamente são feitas de hidrogênio e hélio, mas também têm traços de elementos pesados.” Segundo ele, quanto maior a presença de metais, mais recente é o astro. E, quanto mais pobre em metais, mais a estrela diz sobre o Universo primordial.

“O que aprendemos na graduação é que cerca de 2% da massa do Sol é composta de elementos mais pesados do que o hélio,” Limberg explica. “E pobre em metal é qualquer estrela que tenha menos de um décimo disso,” continua.

A metalicidade da GDR3_526285 é extremamente baixa: ela apresenta menos de 1/50.000 da concentração de metais do Sol. É uma das estrelas mais pobres em metais já registradas – comparável apenas com a Estrela de Caffau, encontrada em 2011, do outro lado da galáxia.

Um é pouco, dois é bom

“Poderia ser só uma curiosidade: uma estrela nova foi descoberta. Mas essa estrela mostra que deve existir um processo físico ainda não identificado que possibilita sua formação,” destaca Limberg.

A dobradinha galáctica não passa despercebida. O astrônomo explica que a descoberta de uma segunda estrela ultrapobre em metais na Via Láctea sustenta o argumento da equipe: existe um mecanismo físico que consegue resfriar o gás para sua criação, mesmo com poucos elementos pesados – ele só precisa ser identificado. “Processos similares devem ter ocorrido nos dois ambientes. Existe uma ‘universalidade’ no processo de formação dessas estrelas tão extremas,” explica.

“Estamos descartando alguns modelos, certas hipóteses para o resfriamento,” afirma o cientista. O processo de formação de estrelas é bem conhecido: “Sabemos muito bem como se resfriam os gases na presença de metais, de elementos pesados. Mas esses fenômenos exigem uma fração de metais do que a que encontramos na estrela descoberta”. Na visão de Limberg, modelos que englobam a criação desses astros devem ser favorecidos.

“O processo físico que existe na literatura e permite com que isso aconteça é o dust cooling.” O que o cientista propõe é o resfriamento da nuvem gasosa a partir de trocas térmicas com grãos de poeira que a cruzam. “Se a formação desses grãos é possível, também se consegue produzir estrelas de baixa massa – mesmo que a metalicidade seja baixa,” conclui.

Mapa do tesouro

Limberg se dedica à astronomia observacional – área em que planetas, estrelas e galáxias são identificados por telescópios e sondas espaciais. Neste campo, baixa-se o lápis – os cálculos, aqui, calibram as bússolas.

O astrônomo seguiu um mapa do tesouro: a missão espacial Gaia, promovida pela Agência Espacial Europeia, explorou os limites da Via Láctea. “Navegando os dados, conseguimos encontrar essas estrelas raras,” explica. Para ele, a investigação amplia o conhecimento em astronomia, astrofísica e cosmologia — o estudo da origem do Universo.

Raras, essas estrelas não aparecem ao acaso: só são encontradas por um bom navegador. No mar de dados espaciais, deve-se estar atento aos indicadores. Para enxergar além do alcance, cientistas recorrem a telescópios espectroscópicos para “fotografar” o céu. Dessa vez, os Telescópios de Magalhães do Observatório Las Campanas, no Chile, foram as câmeras. Em cada “foto,” a espectroscopia – técnica que permite analisar a interação entre a luz e a matéria – possibilita ao astrônomo trazer a estrela ao laboratório.

Estrelas são descritas de longe. Cada elemento químico deixa uma assinatura própria na radiação que emite ou reflete. Esses sinais revelam a composição dos astros e ajudam a identificar padrões incomuns, que denunciam a presença de estrelas raras. No pós-doutorado, Limberg indica que segue “escavando” a galáxia em busca de fósseis extraplanetários.