Emoções impactam a percepção de campanhas sobre HPV e afetam intenção de vacinação
Pesquisa foi feita com 233 jovens brasileiros em idade de vacinação contra o papilomavírus humano expostos a uma campanha publicitária depois de serem induzidos a emoções como medo, tristeza e felicidade.
Ao serem induzidos ao sentimento de medo, os participantes direcionaram seu olhar principalmente para a parte textual da campanha publicitária, onde concentravam as informações mais relevantes. (Foto: Freepik)
Apesar da ampla oferta da vacina contra o papilomavírus humano (HPV) pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para crianças e adolescentes de 9 a 14 anos, a cobertura vacinal no Brasil continua abaixo do ideal. Para enfrentar esse desafio, um estudo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP utilizou conceitos de neuromarketing para analisar o impacto das emoções em campanhas publicitárias de vacinação. A pesquisa identificou que medo, tristeza e felicidade afetam de forma distinta a atenção visual das pessoas aos elementos textuais e visuais das campanhas, o que pode influenciar diretamente a decisão de se vacinar.
A pesquisa também verificou que a origem do imunizante contra o HPV (China, Brasil ou Estados Unidos), quando mencionada no material publicitário, não afetou a intenção de vacinação dos participantes – diferentemente do que ocorreu com a vacina contra a covid-19, que enfrentou rejeição por estar associada à China. O estudo foi realizado com 233 jovens brasileiros entre 18 e 26 anos, faixa etária ainda elegível para a vacinação contra o HPV.
Segundo dados do Ministério da Saúde, o HPV está associado a vários tipos de câncer, incluindo o de colo do útero, sendo que cerca de 10 milhões de pessoas devem estar infectadas com o vírus, levando a uma média de 700 mil novos casos por ano, o que “reforça a necessidade de estratégias de comunicação mais eficazes para ampliar a conscientização e incentivar a imunização”, explica João Lucas Hana Frade, autor da pesquisa de doutorado Os efeitos da indução incidental de emoções discretas e do país de origem da vacina na atenção visual e medidas de eficácia em anúncios para a promoção da vacinação contra o HPV: dois estudos experimentais com jovens adultos em idade de vacinação, defendida na FEA-RP em março de 2025. Os primeiros resultados do trabalho estão em um artigo publicado no Management Review Quarterly.
A pesquisa foi baseada em teorias sobre o estudo das emoções, como a feelings as information e a appraisal-tendency framework, que, de forma geral, tratam sobre o papel das emoções no julgamento e na tomada de decisões das pessoas, além de criar a base teórica para explicar como as emoções podem influenciar a atenção a mensagens publicitárias. Na publicidade, cores, som, textos e ilustrações são utilizadas estrategicamente para modular a resposta emocional do público e guiá-lo a comportamentos desejados (o de compra, o de confiança, a de lembrança de uma marca e, no caso de campanhas publicitárias de vacinação, a importância de se vacinar).
Ao serem induzidos ao sentimento de medo, os participantes do estudo direcionaram seu olhar principalmente para a parte textual da campanha publicitária, resultado considerado positivo já que o texto concentrava as informações mais relevantes da campanha, como a faixa etária recomendada para se vacinar, a importância da prevenção e as doenças causadas pelo vírus, explica a orientadora da pesquisa Janaina de Moura Engracia Giraldi.
Para Janaina, o estudo traz importantes contribuições ao propor que emoções induzidas discretas – medo, tristeza e felicidade – sejam mobilizadas em conteúdos de campanhas publicitárias de saúde pública, servindo como um guia para criar conexão com o público e direcionar a atenção visual para elementos (imagens, cores, sons, palavras e narrativas), reforçando a necessidade de se vacinar. “A integração entre emoções discretas [que estão ligadas ao processo de tomada de decisão] e atenção visual é considerada crucial no processamento cognitivo de mensagens publicitárias voltadas à saúde pública”, relata.
Emoções induzidas e país de origem
O estudo foi estruturado em dois experimentos utilizando tecnologia de rastreamento ocular (eye-tracker) para analisar a atenção visual dos participantes ao serem expostos a campanhas publicitárias de vacinação. “O movimento dos olhos revela quais elementos atraem mais atenção e por quanto tempo ela é mantida”, explica João Frade. A tecnologia permite entender como o cérebro seleciona, interpreta e armazena informações, especialmente quando combinadas com estímulos emocionais.
A proposta do primeiro experimento foi identificar qual região da campanha publicitária atrairia mais a atenção visual dos participantes após serem expostos a estímulos emocionais de medo, tristeza ou felicidade por meio de imagens que induziriam a essas emoções. Por exemplo: cenas de um cão raivoso e um policial armado para provocar medo; de um gato doente e um homem hospitalizado para gerar tristeza; e gatos fofos dormindo juntos e uma praia paradisíaca para estimular o sentimento de felicidade. Em seguida, eles assistiram a um anúncio baseado em uma campanha da Fundação do Câncer sobre a vacinação contra o HPV, que continha um texto informativo e a imagem de um profissional de saúde segurando uma seringa. Foi registrado o tempo de fixação do olhar em cada elemento da peça publicitária relacionando-o às emoções provocadas. Após essas etapas, eles responderam a um questionário para avaliar a eficácia da campanha.
Já no segundo experimento, foi analisado o efeito da inserção da informação sobre o país de origem da vacina – como Brasil, Estados Unidos ou sem informação – na atenção visual dos participantes e medidas de eficácia.
Atenção visual e fixação do olhar
Em ambos os experimentos, durante o tempo de exposição às campanhas de vacinação, a fixação do olhar dos participantes esteve prioritariamente nas informações textuais do anúncio, indicando uma tendência favorável de que o conteúdo informacional do anúncio tivesse sido absorvido.
Em resposta ao primeiro experimento, quando foi analisado o papel das emoções no direcionamento da atenção visual nos elementos visuais e textuais da campanha publicitária, se observou que cada emoção gerou efeitos distintos na atenção visual dos participantes. A indução de felicidade resultou em maior fixação do olhar dos participantes nos elementos ilustrativos da campanha, com exceção da imagem da seringa. Segundo o pesquisador, esse padrão de atenção visual sugere que a emoção de felicidade leve à percepção de menor risco, fazendo com que os participantes se concentrem em aspectos mais positivos e atrativos da mensagem, e não em elementos associados à dor ou ameaça.
A indução de medo levou ao aumento da fixação do olhar nas informações textuais. “Esse resultado indica que o medo estimula uma busca mais intensa por informações, levando os participantes a se concentrarem nos textos da campanha para compreender melhor os riscos e formas de prevenção, como forma de evitar possíveis ameaças associadas à doença”, explica Frade. Já a indução de tristeza levou à maior fixação do olhar na imagem da seringa. Segundo o pesquisador, “esse comportamento visual sugere que a emoção de tristeza direcione a atenção para aspectos negativos da campanha, como a dor associada à vacinação, refletindo uma tendência a focar em elementos que reforçam sentimentos de desconforto ou sofrimento”.
No segundo experimento, quando foi avaliado o impacto da informação sobre o país de origem da vacina contra o HPV — Brasil, Estados Unidos, China ou sem identificação — na atenção visual, os resultados indicaram que a origem do imunizante não teve efeito significativo na intenção de se vacinar, sugerindo boa aceitação das vacinas de HPV produzidas tanto no Brasil quanto na China. Porém, Frade relatou que “em análises feitas com recorte de gênero, os participantes do sexo feminino demonstraram maior intenção de se vacinar e maior atenção à informação sobre a procedência da vacina”.
Segundo o pesquisador, como o país de origem da vacina não influenciou os resultados para as medidas de eficácia, abre-se caminho para a proposição de que os efeitos do país de origem da vacina observados durante a pandemia de covid-19 provavelmente não se estenderão para outras vacinas.