Lei Anticorrupção, 10 anos: saldo é positivo, mas ainda há o que avançar
Legislação demonstrou efetividade no combate à corrupção, mas especialistas apontam desafios serem superados, como incentivos a programas de integridade, clareza ao regime de acordos de leniência, segurança jurídica e mais.
Maurício Zockun, Edson Junji Torihara e Martim Della Valle. (Foto: Divulgação)
Neste mês, a Lei 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção, completou 10 anos no Brasil. Quando entrou em vigor, em agosto de 2013, representou um avanço na adequação e no cumprimento de diretrizes internacionais de combate a atos ilícitos, contribuindo para a consolidação de um mercado corporativo mais íntegro, em que empresas são responsabilizadas por ações corruptas, no âmbito administrativo e judicial, com maior efetividade.
Na perspectiva de diversos especialistas, o saldo desta década de vigência, embora também some muitos desafios, é positivo. Prova disto é que, de acordo com uma pesquisa realizada pela Quaest, em parceria com a Transparência Internacional Brasil, a legislação conta com a aprovação de 95% das empresas consultadas, revelando um contentamento quase unânime no estímulo à criação de sistemas de integridade e na disseminação da cultura de compliance no país. Com o advento da responsabilização objetiva de organizações envolvidas em práticas que atentam contra a administração pública, segundo dados da Controladoria-Geral da União, 25 acordos de leniência foram firmados, totalizando um resgate de R$ 18,3 bilhões aos cofres públicos.
Maurício Zockun, professor de Direito Administrativo e sócio do escritório Zockun & Fleury Advogados. (Foto: Divulgação)
Para o professor de Direito Administrativo e sócio do escritório Zockun & Fleury Advogados, Maurício Zockun, a Lei Anticorrupção, também chamada de Empresa Limpa, fixou um novo capítulo legislativo no Brasil ao criar um sistema de probidade administrativa aplicável a pessoas jurídicas.
“O enfrentamento à corrupção foi edificado com sua implementação, possibilitando que o país postulasse ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Assim, um dos seus pontos fortes, e que não era disciplinado por nós, foi o estabelecimento de punições para negócios que lesem, também, a Administração Pública estrangeira”.
A exigência e o incentivo a programas de compliance influenciou, portanto, um ambiente de concorrência empresarial governado por boas práticas e apto a coibir gestões, públicas e privadas, que tentem alavancar seus negócios por meio de atos infratores.
“O conceito de compliance precisava sair do papel e virar uma realidade na organização da iniciativa privada. Com a Lei Anticorrupção, a Administração pública federal aparelhou-se de mecanismos estatais para concretizar essas aspirações, e seu sucesso está justamente na promoção de programas de integridade”, afirma Zockun.
Edson Junji Torihara, advogado criminalista e sócio do escritório Toron Advogados. (Foto: Divulgação)
Em concordância, Edson Junji Torihara, advogado criminalista e sócio do escritório Toron Advogados, destaca que a Lei foi bastante assertiva em efetivar na gestão empresarial um conjunto de disciplinas, políticas e diretrizes que cumprem normas e reprimem ações corruptas.
“Ela foi bem-sucedida no estímulo ao compliance, ou seja, em criar condições para atuações em conformidade e de acordo com os ditames legais, éticos e das boas práticas”, ressalta o advogado.
Ainda sobre o impacto positivo da legislação, Martim Della Valle, sócio do Marchini, Botelho e Caselta Advogados e advogado com passagens executivas como Chief Compliance Officer da Anheuser-Busch InBev (AB InBev), chama a atenção para as inúmeras ações coletivas anticorrupção em setores de grande importância econômica, como agronegócio e construção civil, apontando para uma aderência crescente a padrões mínimos de compliance e para a consolidação de um mercado em que todos os players concorrem em iguais condições.
Martim Della Valle, sócio do Marchini, Botelho e Caselta Advogados. (Foto: Divulgação)
“Na esfera pública, os acordos de leniência foram um grande avanço em termos de investigação. A punição de corrupção paga a funcionários públicos também foi notável. No âmbito privado, houve incentivos importantes para a adoção de programas de compliance por empresas, não apenas na Lei, mas, também, nos decretos que a regularam”, exemplifica, citando, também, que a responsabilização administrativa, sem necessidade de culpa, foi outra novidade essencial.
Desafios à frente
Contudo, estes especialistas são uníssonos quanto a necessidade de novos e maiores progressos. Della Valle, por exemplo, ressalta a importância de que sejam disciplinados melhores incentivos a programas de integridade, como a redução das multas atualmente aplicadas.
“Há muita diferença de níveis de compliance no setor privado. Enquanto temos empresas que, certamente, estão entre as melhores do mundo, temos muitas outras que estão apenas começando. O desafio é garantir que boas práticas sejam executadas, afinal, uma série delas ainda não são disseminadas de forma eficiente”, esclarece.
Para o advogado, também se faz imperioso que o Poder Público incorpore esses fomentos com brevidade, trazendo mais clareza, entre outras coisas, ao regime de acordos de leniência e ao tratamento dos informantes do bem.
“Embora haja bastante conhecimento, inclusive dentro de órgãos da administração pública, ainda não há uma visão consolidada desses incentivos, que são peça importantíssima para a prevenção da corrupção. Se queremos que as pessoas não cometam delitos, a melhor forma de prevenção é incentivar os comportamentos corretos”.
Complementando, Torihara salienta que a segurança jurídica é outra questão que preocupa, uma vez que a inexistência de um único órgão regulador, com competência e legitimidade para coordenar todas as instâncias de controle, gera investigações sobrepostas com interesses de diversos entes públicos.
“Mas o maior desafio da Lei é estabelecer condições para que seja bem assimilada e incorporada pelo pequeno e médio empreendedor. Eles também precisam agir em conformidade. Sendo assim, não são apenas as grandes empresas que têm de se atentar, mas, sim, todos nós, como cidadãos e como empreendedores”.
Maurício Zockun ainda arremata que o processo de apuração de responsabilização e de celebração de acordos de leniência precisam ser aprimorados, observando-se que devem ser usados como instrumentos de investigação, mas, especialmente, como ferramentas de recuperação dos negócios faltosos.
“É preciso considerar que a Lei não tem apenas proposito punitivo, mas, também, pedagógico. Deste modo, se um excelente programa de integridade for incapaz de impedir o cometimento de um ato de improbidade administrativa empresarial, a saída mais adequada para aprimorar o sistema é, ao contrário da punição, obrigar a iniciativa privada a fomentar melhorias e dar publicidade à fragilidade encontrada”, opina o advogado.
Processo e sanções
A Lei Anticorrupção prevê a instauração e o julgamento de processos administrativos e judiciais para apurar a responsabilidade de pessoas jurídicas. A ação fica a cargo das autoridades máximas de cada órgão ou entidade dos Três Poderes.
A principal penalidade aplicada no descumprimento de seus dispositivos é a fixação de multas de até 20% sobre faturamento bruto, anterior ao processo, da pessoa jurídica, que também pode responder por atos de terceiros.
“Caso não seja possível utilizar o critério do faturamento bruto da pessoa jurídica, multa de até R$ 60 milhões. Empresas infratoras também estão sujeitas a perdimento de bens, suspensão ou interdição de atividades e dissolução compulsória”, explica Torihara.