Tatiana Prazeres, MDIC: 'Nosso foco é fazer com as agendas ambiental e comercial se apoiem mutuamente'
Secretária fala sobre perspectivas para o Brasil diante da atual conjuntura externa.
Tatiana Prazeres, secretária de Comércio Exterior do MDIC. (Foto: Divulgação/Gov.br)
Tatiana Prazeres, secretária de Comércio Exterior do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), fala sobre perspectivas para o Brasil diante da atual conjuntura externa. Leia aqui os principais trechos dessa conversa:
Estimativa de um superávit menor da balança comercial. Resultado já aponta dificuldades na trajetória econômica dos principais sócios e tendências protecionistas que podem prejudicar o resultado nos próximos anos?
Não. Na verdade, tivemos no ano passado um saldo histórico recorde, e o Brasil saiu com expectativa de um saldo comercial robusto na balança comercial para 2024, ainda que menor do que o do ano passado. O que entendemos como importante é o crescimento da corrente de comércio, exportação mais importação – ou seja, a inserção internacional do Brasil de maneira mais competitiva –, para o qual prevemos expansão este ano.
No campo das exportações de manufaturas, nossos dois principais compradores, são Estados Unidos e América Latina. Qual tendência observam para ambos?
De fato, os Estados Unidos são o principal destino das exportações de manufatura do Brasil. É um mercado que valorizamos, e as perspectivas que o mercado americano seguem positivas. Nosso comércio com os EUA no primeiro semestre do ano foi positivo (ampliação de 15,2% em volume em relação ao primeiro semestre de 2023, de acordo ao Icomex FGV IBRE), de maneira que se trata de um mercado de fato importante para produtos de maior valor agregado do Brasil.
A situação da América Latina sob o ponto de vista de comércio exterior, sim, nos preocupa, especialmente por causa da Argentina. Essa retração das exportações brasileiras para Argentina está relacionada evidentemente a um encolhimento da economia do país vizinho, o que é preocupante, porque também para a Argentina o perfil das nossas exportações é mais qualificado. Então, a recuperação econômica da Argentina é algo importante evidentemente para os argentinos, mas também para o comércio bilateral e para as exportações do Brasil em particular.
Temos um acordo automotivo com a Colômbia que não foi renovado, o qual o Brasil tinha interesse em aprofundar. Como essas negociações evoluíram?
Com a Colômbia, de fato existe um acordo Mercosul-Colômbia, e um apêndice bilateral entre Brasil e Colômbia para o setor automotivo. De fato, o governo colombiano expressou formalmente o interesse em não renovar este apêndice do acordo, que é mais amplo – o que lhe é de direito. Claro que nos preocupa, sob o ponto de vista das exportações do setor automotivo (a Colômbia é o quarto maior importador de carros brasileiros, superada apenas por Argentina, mas a despeito disso as regras mais favoráveis do acordo Mercosul-Colômbia, ao qual esse apêndice está vinculado, seguem valendo. Ou seja, seguiremos tendo condições mais favoráveis de acesso ao mercado colombiano em função do acordo Mercosul-Colômbia, mas não tão favoráveis quanto aquelas previstas nesse atentos e bilateral.
Esse apêndice previa cotas de volume de comércio que ocorreria sem imposto de importação (50 mil unidades anuais). Há um prazo de um ano para que essa denúncia surta efeito e a cota deixe de existir. No entanto, com base no acordo o Mercosul-Colômbia a gente ainda teria uma preferência tarifária. Então, ao invés de incidir 35% sobre essas importações colombianas de carros brasileiros, passaria a incidir 16,1%. Mesmo diante da denúncia do apêndice do acordo, o Brasil segue com comércio preferencial com a Colômbia que é conferido pelo acordo Mercosul-Colômbia.
Como a tendência de eletrificação de frotas e a presença de carros chineses tende a influenciar nessa corrente de comércio?
O setor automotivo passa por transformações profundas no nível internacional, e isso se reflete na situação do Brasil, sexto maior mercado automotivo do mundo, com a presença de produtores relevantes nesse segmento. Esses novos investimentos anunciados no Brasil, associados a novas tecnologias, é algo que contribui para que o Brasil siga sendo um exportador relevante do setor automotivo. O Brasil deixou de ter a relevância que tinha no passado em termos de produção e exportações, isso nos preocupa porque as exportações de veículos são de alto valor agregado, contribuem para uma cadeia densa de fornecedores, então a perda de exportações nesse setor preocupa e esses novos investimentos contribuem para que readquiramos essa importância relativa de um passado mais recente.
Qual o balanço até aqui quanto à agenda de acordos comerciais?
Em dezembro do ano passado o Brasil concluiu um acordo de comércio com Singapura, que é o primeiro encontro dessa natureza em cerca de 12 anos. A conclusão desse acordo é um marco na ampliação da rede de acordos à qual o Mercosul está vinculado. Também é importante porque Singapura é uma porta de entrada para uma região mais dinâmica da economia global.
O que está no pipeline é Mercosul-União Europeia, essas conversas seguem avançando, é algo que gostaríamos de ver concluído proximamente. Evidentemente que é necessário que o acordo seja equilibrado, que atenda as preocupações do lado brasileiro, e estamos confiantes que isso seja possível em um futuro breve.
A novidade em termos de acordos comerciais foi o lançamento das negociações com os Emirados Árabes Unidos e a realização da primeira rodada de negociações que aconteceu no Paraguai em julho com times dos quatro membros do Mercosul e com representantes dos Emirados Árabes. Há um interesse forte dos quatro membros nesse acordo e a nossa expectativa é de que seja possível avançar mais rapidamente com essa negociação. Fizemos uma consulta pública e identificamos vários segmentos interessados nesse acordo, entre os quais em alimentos processados.
Muitos analistas apontam que, apesar da tendência de aumento do protecionismo, cabe ao Brasil perseverar em uma agenda de maior abertura comercial (reveja entrevista com Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial) tem que abrir. O Brasil promoveu algumas reduções unilaterais de tarifas de importação que vigoraram até 2023 e não foram renovadas. Como o governo pretende atuar nesse campo?
Há uma avaliação regular de alíquotas de importação, a partir de pleitos do setor privado que muitas vezes precisam de insumos que não existem no Brasil em um nível adequado, e com frequência nós reduzimos tarifas de importação (em julho, a Câmara de Comércio Exterior – Camex – zerou a cobrança de imposto de importação de 7 produtos do setor automotivo sem produção nacional equivalente, com prazo até dezembro de 2025), assim como majoramos alíquotas de importação, à luz de aumentos expressivos de volumes de importação que causem prejuízos à indústria brasileira. Não há sinalização de reduções de forma horizontal, como se fez no passado recente. O que aconteceu foi a recomposição de determinadas alíquotas, e o que temos feito agora é tratar das questões de forma pontual quando chegam demandas ao governo, e em paralelo fazer uma discussão mais profunda sobre o perfil tarifário brasileiro nesse âmbito. Temos um grupo criado pela Camex para revisão da Tarifa Externa Comum (TEC) e essa discussão está em curso.
Uma das preocupações de setores como o agro é de que normas relacionadas a questões de proteção ambiental sirvam para fins protecionistas. Esse tema foi tratado no grupo de trabalho de comércio e investimentos do G20. Como esse debate avançou?
De fato, esse é um tema que ganhou grande relevância no contexto do comércio exterior e é especialmente importante para o Brasil. Em primeiro lugar, o Brasil está comprometido com o combate ao desmatamento, que é uma fonte relevante de emissões no caso brasileiro, mas ao mesmo tempo nós nos preocupamos com barreiras que são adotadas com discurso legítimo, mas que na verdade escondem interesses protecionistas, algo que a gente tem visto crescer no mundo.
Há várias frentes de atuação que se relacionam essa agenda. Dada a importância disso para o Brasil, no G20 colocamos esse tema como uma das quatro prioridades na agenda de comércio e investimento do G20 que coordenamos com o Itamaraty. O objetivo é atingir um consenso entre os países membros sobre como fazer com que normas adotadas com o objetivo ambiental contribuam também para a agenda comercial. Ou seja, como fazer com que essas duas agendas se apoiem mutuamente, evitando que medidas adotadas por motivos ambientais sejam mais restritivas ao comércio do que o necessário para o atingimento de um objetivo legítimo. A ideia é que os países membros do G20 possam acordar princípios a respeito da adoção e de medidas que tenham um impacto no comércio de maneira aqui não sejam mais disruptivas do que o necessário.
Qual o caminho mais adequado para se chegar a acordos multilaterais em temas relacionados à transição energética, levando em conta o contexto de uma OMC enfraquecida?
O contexto internacional é mais desafiador, mas a convergência no que for possível no âmbito internacional nos favorece. Estamos sentados à mesa, participando do debate internacional de forma muito ativa. O que nos preocupa são medidas unilaterais que têm repercussão no comércio, diante desse cenário de maior dificuldade, na atuação de mecanismos multilaterais. Nossa atuação no G20 é especialmente importante nesse cenário de enfraquecimento da OMC, mas é importante lembrar que a OMC ainda assim tem tido resultados nessa área ambiental, de interseção entre comércio e desenvolvimento sustentável que não são desprezíveis. Acho que o acordo sobre pesca, é um exemplo (feito em 2022, para reduzir subsídios que contribuem para a pesca excessiva). O Brasil decidiu neste ano se juntar a um diálogo sobre plásticos na Organização Mundial do Comércio (aderiu em 19/6 ao Diálogo sobre Poluição por Plásticos e Comércio Ambientalmente Sustentável de Plásticos, que conta com 82 participantes). É um diálogo que envolve um subgrupo do universo dos 164 membros da OMC, mas mostra que mesmo mais enfraquecida, discussões relevantes acontecem nessa interseção entre comércio e desenvolvimento sustentável. Tudo que pode ser discutido em fóruns multilaterais deve ser discutido, porque a alternativa a isso é a atuação unilateral cada vez mais prolífica de países nessa área o que pode causar fragmentação ao comércio em função de uma a multiplicidade de normas distintas incompatíveis entre si, gerando custo adicional para exportadores produtores sem necessariamente que os benefícios ambientais esperados sejam atingidos.
Quanto à necessidade de se promover exportações de maior valor agregado, de que maneira a Secretaria contribui nas iniciativas como a Nova Indústria Brasil (NIB) do MDIC e o Plano de Transformação Ecológica, do Ministério da Fazenda?
Como mencionei, a relação entre comércio e desenvolvimento sustentável veio para ficar, e nessa interseção entre as agendas de comércio e desenvolvimento sustentável nossa atuação passa necessariamente pela interlocução, pela convergência com uma série de outras áreas aqui na Esplanada. Evidentemente que a NIB tem tanto esse componente de uma indústria inovadora, verde como também exportadora. Então, na própria concepção da Nova Indústria Brasil (NIB) esses três elementos a que você se referiu são muito presentes. O diálogo com outros ministérios nessas outras agendas é muito presente. Por exemplo, na contestação de medidas da União Europeia, tanto a Lei de Desmatamento quanto a Taxa de Carbono na Fronteira, nossa interação com Itamaraty é diária. No caso de desmatamento a interação com o Ministério do Meio Ambiente e com o Ministério da Agricultura é muito frequente também, há um esforço de governo para lidar com esse desafio. Mas há também o outro lado da moeda, que é como o Brasil consegue valorizar os atributos de sustentabilidade da produção nacional, para fazer com que o nosso produto lá fora seja mais competitivo, valorizado em função, por exemplo, de nossa capacidade de produzir com uma matriz energética mais limpa do que a dos nossos concorrentes. Ou seja, há uma agenda que é ofensiva, entre aspas, no sentido de garantir que os nossos produtos de fato possam ser reconhecidos e valorizados em função dos atributos da sustentabilidade brasileira.