Trento diz que burocracia consome metade do tempo dos pesquisadores da Embrapa e trava inovação no campo

Em painel sobre segurança jurídica no agro, nesta quarta-feira (3), em Brasília (DF), chefe da assessoria da Presidência da Embrapa defendeu melhor ambiente regulatório para transformar tecnologia em negócio e chegar ao produtor.

O chefe da assessoria da Presidência da Embrapa, Daniel Trento, afirmou nesta quarta-feira (3), em Brasília (DF), que cerca de metade do tempo dos pesquisadores da empresa é consumido pela burocracia necessária para firmar contratos, proteger patentes e atender exigências de órgãos de controle. Segundo ele, esse cenário dificulta a transformação de pesquisa em inovação efetiva no campo, apesar do acúmulo de tecnologias disponíveis.

Trento lembrou que a Embrapa já desenvolveu mais de 3 mil tecnologias ao longo de sua história e está presente em produtos do dia a dia da população, do café da manhã ao chope do fim do dia. Citou avanços em genética de aves, café, arroz, feijão, trigo e cevada, entre outros exemplos, e questionou de que forma esse resultado chega ao mercado e ao produtor rural.

Ele explicou que a estatal não dispõe de estrutura de revendas como as grandes empresas privadas de insumos e, por isso, depende de parcerias para difundir tecnologia. No caso de soluções sociais não onerosas, a estratégia passa por convênios com ministérios, governos locais e outros entes públicos. Já para tecnologias escaláveis, afirmou que a saída é a parceria público-privada, por meio de contratos de desenvolvimento conjunto, licenciamento e pagamento de royalties.

Ao tratar do marco regulatório, Trento disse que a Embrapa considera, ao decidir em quais países proteger uma tecnologia, não apenas o tamanho do mercado, mas também a capacidade local de fazer cumprir a legislação de propriedade intelectual. Segundo ele, a segurança jurídica e a efetividade da aplicação da lei pesam na escolha de onde registrar patentes no exterior.

WhatsApp Image 2025-12-03 at 11.33.38 (1)Chefe da assessoria da Presidência da Embrapa, Daniel Trento. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)

O dirigente lembrou que a Lei de Inovação é de 2004 e só foi regulamentada em 2016, o que, na avaliação dele, atrasou a operacionalização de instrumentos previstos em lei. Ele afirmou que, embora o marco legal de ciência, tecnologia e inovação permita que royalties retornem às instituições de pesquisa, a Embrapa ainda vinha tendo essas receitas direcionadas à conta única do Tesouro e só agora avança para reter parte desses recursos para reinvestimento em pesquisa, após negociações com órgãos como AGU, CGU e TCU.

Trento avaliou que a legislação atual é, em tese, suficiente para viabilizar um ambiente de inovação, mas que a cultura institucional de órgãos reguladores e de controle ainda está “em outro tempo”, o que obriga a Embrapa a investir esforço constante em sensibilização interna no Estado para aplicar mecanismos já previstos em lei.

Ele citou rankings internacionais de inovação para ilustrar o descompasso. De acordo com Trento, o Brasil aparece entre os países que mais registram patentes, mas ocupa apenas a 52ª posição no ranking mundial de inovação. Para ele, isso indica que o marco regulatório e o ambiente de negócios não convertem, na mesma proporção, conhecimento em produtos e serviços disponíveis para o produtor rural.

Na área de agricultura digital, Trento mencionou o Radar AgTech, mapeamento feito pela Embrapa desde 2017 sobre startups do agro. Segundo ele, o levantamento já identificou mais de 2 mil agtechs atuando em cadeias produtivas em regiões como Centro-Oeste e Norte, mas a maior parte delas nasce na cidade de São Paulo, onde há universidades, capital e ecossistema de inovação mais estruturado.

Ao final, Trento retomou o paralelo histórico da modernização da agricultura brasileira nas décadas passadas, quando o tripé pesquisa, produtor rural e financiamento público sustentou o avanço da produção. Hoje, disse ele, a pesquisa continua essencial, o empreendedorismo tecnológico se consolidou, mas o financiamento é majoritariamente privado. Na avaliação do representante da Embrapa, sem um ambiente regulatório que facilite contratos, royalties e geração de receitas para a pesquisa, o país corre o risco de ampliar o hiato entre a tecnologia disponível e a inovação aplicada no campo.