Agro expõe colapso financeiro e cobra reação do governo após tarifaço e crise de crédito
Em evento na Casa LIDE, em São Paulo, lideranças do setor alertaram para o endividamento recorde dos produtores, a falta de política comercial e o risco de colapso econômico no campo em 2026.
Gustavo Spadotti, chefe-geral da Embrapa Territorial. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)
O tom de preocupação substituiu o tradicional otimismo no Seminário LIDE Agronegócio, realizado nesta quinta-feira (16) na Casa LIDE, em São Paulo. O encontro, que reuniu alguns dos principais nomes do setor, chamou a atenção para a piora nas condições econômicas do campo, a escalada do protecionismo americano e a ausência de uma estratégia nacional de comércio e crédito.
“O produtor está endividado, com margem muito pequena e sem perspectiva de sair do buraco no curto prazo”, afirmou Gustavo Spadotti, chefe-geral da Embrapa Territorial, ao prever que 2026 será um ano de alta produtividade, mas de lucro em queda. Ele alertou que há “uma indústria de recuperação judicial se formando no agro” e que a combinação de câmbio instável, juros altos e custos de insumos sufoca o produtor. “Quem comprou fertilizantes com o dólar a R$ 6,20 está enrascado. As margens estão muito pequenas e o câmbio enlouqueceu”, disse.
O pesquisador também criticou a falta de planejamento logístico para escoar a próxima safra, estimada em 85 milhões de hectares cultivados com grãos. “Cadê os nossos armazéns, que já estão cheios e subdimensionados? Cadê a logística para que o produto não fique parado no pré-porto?”, questionou. Segundo ele, o agro brasileiro vive um “crescimento desequilibrado”, baseado em produtividade recorde e rentabilidade em queda, com um crédito rural “incapaz de acompanhar a realidade do campo”.
CEO do CECAFÉ, Marcos Matos. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)
A frustração com o cenário internacional apareceu no primeiro painel, que discutiu o impacto do tarifácio americano sobre as exportações brasileiras. “Com 76% de tarifa, é inviável exportar carne bovina para os EUA”, disse Roberto Perosa, presidente da ABIEC. O CEO do CECAFÉ, Marcos Matos, relatou queda superior a 50% nas exportações de café desde que as tarifas foram ampliadas. “A tarifa de 50% nos tirou competitividade e fez o Brasil perder mercado para Alemanha e Itália. Os Estados Unidos estão usando o café como instrumento político”, afirmou.
O conselheiro da Caramuru Alimentos, César de Sousa, fez um dos discursos mais duros do evento, ao acusar o governo brasileiro de “miopia diplomática” diante da guerra comercial global. “Não sei por que essa frescura de não querer negociar com os Estados Unidos. O mundo está negociando — China, Japão, Índia — e o Brasil prefere discursar. País não tem amigo, tem interesse.” Para ele, o país “gosta de se iludir com ideologia” e perde espaço comercial por falta de pragmatismo.
Conselheiro da Caramuru Alimentos, César de Sousa. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)
Na avaliação do presidente da FIEG e do LIDE Goiás, André Rocha, o Brasil ainda age como colônia agrícola. “O agro é tech, é pop, mas ainda não é tudo. Exportamos soja e compramos óleo de soja chinês. Exportamos proteína e água para a China, que devolve o produto industrializado. Isso é uma vergonha.” Rocha defendeu uma política industrial para o campo e alertou para a dependência externa de fertilizantes — principalmente da Rússia e da Ucrânia. “Se amanhã fecha uma torneirinha, é o caos no campo”, disse. Ele também criticou a tentativa do governo de tributar instrumentos de crédito rural como LCA e CRA: “Querem taxar o que funcionava. É de uma burrice monumental.”
A diretora-executiva da ABAG, Gislaine Balbinotti, trouxe o alerta mais humano do dia. “Temos produção de primeiro mundo e escoamento do século passado. O silo é a carroceria do caminhão. E há produtores que não conseguem renegociar dívidas e tiram a própria vida. É um problema silencioso.” Segundo ela, o aumento de suicídios de agricultores, especialmente no Rio Grande do Sul, é resultado direto da crise de endividamento e da falta de políticas estruturais de crédito. Gislaine também cobrou mais conectividade no campo e políticas públicas para ampliar a presença de mulheres em cargos de liderança no agro.
Diretora-executiva da ABAG, Gislaine Balbinott. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)
A pauta ambiental, dominada pela proximidade da COP 30, também apareceu com força. A diretora técnica do CEBDS, Alessandra Fajardo, revelou que a transição verde do agro brasileiro enfrenta um déficit de R$ 100 bilhões em financiamento. “As práticas sustentáveis já existem — plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta, rotação de culturas —, mas o produtor não tem dinheiro para fazer a transição. O problema é financeiro, não técnico.” Ela defendeu o pagamento por serviços ambientais (PSA) para remunerar quem preserva áreas de floresta e lembrou que “nenhum outro setor da economia deixa 25% do seu ativo parado em reserva legal”.
Spadotti, da Embrapa, propôs que o Brasil leve à COP 30, em Belém, um compromisso global de sustentabilidade rural. “Quero ver qual país topa ter metade da área agrícola cultivada e metade preservada. Nenhum. O Brasil é o benchmark mundial.”
O presidente da APROBIO, Erasmo Carlos Battistella, encerrou o seminário tentando resgatar algum otimismo. “Os biocombustíveis são agro, e o agro é biocombustível. Sem o etanol e o biodiesel, boa parte da produção de grãos teria rentabilidade negativa.” Ele comemorou a aprovação do programa Combustível do Futuro, que amplia para 30% a mistura de etanol na gasolina e 15% de biodiesel no diesel. “É a prova de que, quando o agro mostra resultado, o país se une.”
Head do LIDE Agronegócios, Francisco Matturro. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)
Ao encerrar o evento, o head do LIDE Agronegócios, Francisco Matturro, resumiu o sentimento dos dois painéis. “Todo lugar que tem desafio tem oportunidade. Mas o Brasil precisa parar de se contentar em ser celeiro — e começar a ser indústria.”
O LIDE Agronegócio deixou claro que o setor entra em 2026 pressionado por dívidas, tarifas e crises externas, mas ainda movido por uma força que teima em resistir: a convicção de que o campo, sozinho, continua sustentando o país — mesmo quando o país parece ter esquecido dele.