Ministro do STJ diz que Judiciário precisa se reinventar para garantir segurança jurídica ao agronegócio
Luís Felipe Salomão afirmou que o Brasil vive “hiperutilização” da Justiça, citou programas de regularização fundiária e destacou o papel do STJ na definição de teses para o campo.
O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Luís Felipe Salomão, afirmou nesta quarta-feira (3), em Brasília (DF), que o Judiciário brasileiro vive um momento de transformação e precisa atualizar suas práticas para responder às novas demandas econômicas e tecnológicas, inclusive do agronegócio. Ao participar do 5º Brasília Summit, ele defendeu que a segurança jurídica é um dos pilares para o setor e mencionou decisões e programas que impactam diretamente a atividade no campo.
Salomão disse que acompanha há pelo menos 15 anos, na área de direito privado do STJ, a evolução dos temas jurídicos ligados ao agro e citou também a experiência como corregedor nacional de Justiça. Ele lembrou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou programas voltados à regularização fundiária, como o “Solo Seguro”, com atuação conjunta de governos estaduais, prefeituras e companhias de terras. Segundo ele, o Judiciário não executa políticas públicas, mas pode fomentá-las e articular atores para ampliar a regularização de áreas rurais.
O ministro situou o debate em um contexto de “nova ordem mundial”, com relações jurídicas que ultrapassam fronteiras e escapam dos limites territoriais tradicionais da soberania. Citou como exemplos contratos transnacionais, criptomoedas, sucessão digital, economia de compartilhamento e o uso de inteligência artificial, temas que, segundo ele, exigem atualização de códigos, constituições e da própria interpretação judicial. Ele mencionou o debate sobre direitos digitais, proteção de dados e impacto dos algoritmos, que começa a aparecer também na agenda dos tribunais.
O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Luís Felipe Salomão. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)
Ao tratar da estrutura da Justiça no país, Salomão afirmou que o Brasil dispõe de cerca de 15 mil unidades judiciárias, 500 mil servidores e 18 mil juízes, mas enfrenta um quadro de “hiperutilização” do sistema, em grande parte provocado pelo próprio Estado. Segundo ele, entram anualmente 30 milhões de novos processos, muitos movidos por órgãos públicos como INSS, Caixa Econômica Federal, União, estados e municípios, além de ações de cobrança de tributos. No total, são cerca de 80 milhões de processos em tramitação. Ele também lembrou que o país tem aproximadamente 1,4 milhão de advogados.
Em relação específica ao agronegócio, o ministro afirmou que a atividade cresceu no cenário pós-pandemia, em um ambiente de juros altos e câmbio elevado, e que isso se reflete na pauta dos tribunais. Ele citou a consolidação, no STJ, da possibilidade de recuperação judicial para produtores rurais e empresas do setor, lembrando que a atividade é altamente sazonal e sujeita a intempéries, mudanças climáticas e burocracia. Mencionou ainda o debate sobre patrimônio rural como bem penhorável e disse que o tema foi incorporado à proposta de reforma do Código Civil.
Salomão também abordou a força obrigatória dos contratos em relações paritárias e simétricas, defendendo maior autonomia privada, desde que respeitados esses parâmetros. Em sentido contrário, apontou que situações de “imprevisibilidade objetiva” – como quebra de safra e eventos climáticos extremos – podem justificar a revisão de obrigações em determinados casos, com impacto direto em contratos do agronegócio.
Ao final, o vice-presidente do STJ afirmou que o Judiciário tem a oportunidade de “se redescobrir” e se alinhar às demandas de um setor que descreveu como um dos motores da economia brasileira. Ele disse que a combinação de empresários, juristas e especialistas em encontros como o Brasília Summit é uma forma de produzir soluções para aumentar a previsibilidade nas relações do campo com o sistema de Justiça.